07/2025 * CONTRATOS EMPRESARIAIS
A atual conjuntura tributária e política do Brasil está gerando uma série de dúvidas aos empresários, não só aos exportadores, que estão preocupados com o que ocorrerá com o mercado de seus produtos nos Estados Unidos após a possível imposição de sobretaxa de 50%, mas também aos importadores, já impactados com o aumento de mais de 800% no custo do IOF (de 0,38% para 3,50%) e possivelmente impactados com a reciprocidade da sobretaxa de 50% para os produtos oriundos dos Estados Unidos.
Aqui, não vamos discutir a constitucionalidade do aumento da alíquota com finalidade arrecadatória aplicada a um imposto regulatório, como é o caso do IOF (situação ignorada pelo nosso Supremo Tribunal Federal, que manteve o aumento do tributo), mas sim sobre os impactos nos contratos vigentes, firmados antes dos aumentos, cuja chegada ao Brasil ocorrerá após o aumento do tributo (para a sobretaxa do IPI) ou cujo pagamento (fechamento do câmbio) ocorrerá após o aumento da alíquota do IOF.
O DESAFIO
Empresas de tecnologia da informação, ao revenderem ou aplicarem hardwares importados em suas operações de serviços, indústria automotiva ao importar um veículo, partes e peças para a fabricação ou peças para o mercado de reposição, indústria em geral que utiliza insumos importados como farmacêuticas, bens de capital, distribuidoras de adubos e fertilizantes, indústrias químicas e, claro, a indústria de eletrônicos, todas serão diretamente impactadas tanto pelo IOF (independentemente do país de origem) quanto pela sobretaxa de 50% quando importarem produtos dos Estados Unidos.
Os desafios serão diversos e passam desde um repasse de custo nos preços dos produtos que forem produzidos com os insumos importados após o aumento do imposto até a discussão sobre a possibilidade ou não do repasse desses preços quando existe contrato vigente com preços estabelecidos e a famosa cláusula que indica que todos os tributos estão inclusos.
Nesta análise, focaremos as operações (contínuas ou não) nas quais existem contratos assinados sem cláusula que prevê a revisão dos preços em caso de alterações tributárias.
PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL
Por conta da ausência da previsão contratual sobre a repactuação dos preços, recorremos aos princípios que regem o direito contratual e às normas que regulam a relação contratual (focando na relação cível e não na relação consumerista).
Quando falamos em princípios que regem o direito contratual, sempre iniciamos com o princípio que atribui força obrigatória ao contrato: o Pacta Sunt Servanda.
O Pacta Sunt Servanda traz segurança jurídica aos contratos, atribuindo às partes a obrigação de cumprimento após a manifestação da vontade das partes (autonomia da vontade das partes) e proporcionando segurança, confiança e previsibilidade nas relações comerciais.
Em complemento ao Pacta Sunt Servanda, temos o princípio da boa-fé objetiva e da função social do contrato. A função social do contrato afasta a possibilidade de utilização injusta do contrato, opressão ou exploração de uma parte pela outra ou mesmo possibilitar o enriquecimento ilícito, garantindo um resultado justo e equitativo da aplicação do contrato na sociedade.
A boa-fé objetiva promove a lealdade, honestidade e transparência durante toda a relação contratual, desde a negociação até a extinção e aplicação de obrigações perenes pós encerramento do contrato.
Caso típico é a aplicação diversa do que está expresso no contrato quando, durante a execução das obrigações, as partes agiram de forma diferente da estabelecida no documento sem, entretanto, questionar essas diferenças durante o cumprimento.
Ainda, para nos guiar, faz-se necessário recorrer às teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva. A teoria da imprevisão, também relativizando o Pacta Sunt Servanda, ao passo em que flexibiliza a força obrigacional dos contratos, possibilitando a revisão ou mesmo a resolução de um contrato quando eventos extraordinários e imprevisíveis acarretam onerosidade excessiva a uma das partes e vantagem desproporcional para a outra.
Aqui é importante notar que tanto a teoria da imprevisão quanto a onerosidade excessiva demandam fatos imprevisíveis e extraordinários.
Nessa linha, cabe à jurisprudência decidir se a conjuntura do aumento dos impostos em questão é, ou não, decorrente de fatos imprevisíveis e extraordinários, na medida em que foram originados por um aumento abrupto e em proporções inimagináveis, vejamos:
a) Para o IOF, estamos tratando de um aumento de mais de 800% (de 0,38% para 3,5%);
b) Para a sobretaxa do imposto de importação, exemplificativamente, se considerarmos motores a combustão para veículos (NCM 8408.20.10) tributado atualmente em 18% para o Imposto de Importação, se somarmos os 50%, passaremos a ter 68%, portanto, um aumento de 277%.
c) Para equipamentos de tecnologia, a consequência é ainda pior: exemplificativamente, se considerarmos “cartões e etiquetas de acionamento por aproximação” (NCM 85235210) tributado atualmente em 18% para o Imposto de Importação, se somarmos os 50%, passaremos a ter 68%, portanto, um aumento de 529%.
Apesar de os tribunais demonstrarem resistência para caracterizar um aumento de impostos como base para revisão de contratos, no caso em questão estamos tratando de um aumento em proporções extremamente exageradas (mais de 800% no caso do IOF e 50% no caso do imposto de importação).
Somado às proporções exageradas, o fato de estarmos tratando de um aumento resultante de questões político-fiscais, no caso do imposto de importação, e a consequência do aumento, qual seja, a possível impossibilidade de cumprimento de contratos que demandam importação de produtos ou insumos dos Estados Unidos e que, portanto, poderão ter um aumento de custo de, ao menos, 50% sobre o valor do insumo.
Referidos aumentos dificilmente seriam (como não foram em diversas negociações) considerados quando da contratação e, por consequência, quando da precificação do contrato assinado. Desta forma, a impossibilidade de repassar o aumento da carga tributária aos contratantes/adquirentes dos produtos acarretará prejuízos, ou até mesmo impossibilidade de operação para a empresa importadora, já que, como sabemos, poucas operações conseguem margens de contribuição maiores do que 30%, isso quando não estão limitadas a margens de contribuição ainda menores como 5%, 10%, 15% etc.
Desta forma, não temos como negar a necessidade da aplicação dos princípios da boa-fé objetiva e da onerosidade excessiva para a repactuação dos valores ou mesmo rescisão do contrato.
QUESTÕES RELACIONADAS ÀS CLÁUSULAS CONTRATUAIS
Não só pela instabilidade política, mas também por conta da proximidade da reforma tributária, é de extrema importância a inclusão de cláusula expressa prevendo a possibilidade de repactuação dos valores, com o repasse (com aumento ou redução, apesar desta ser pouco provável), de eventual modificação de custo tributário.
Apesar de alguns advogados afirmarem que esta possibilidade já está prevista no artigo 478, este Autor não compartilha do mesmo entendimento, em especial na situação que estamos analisando, isso porque o artigo 478 prevê (i) a possibilidade de resolução do contrato, solução nem sempre almejada pelas partes e; (ii) a aplicação dos efeitos da sentença a partir da data da citação, ou seja, obrigatoriamente demandará o ajuizamento de medida judicial e, pior, os efeitos (se obtida decisão favorável) serão aplicados a partir da citação.
Outra medida, sempre que viável, já que pode expor a composição do custo do importador, é detalhar a carga tributária incidente no preço estabelecido no contrato. Esta previsão também será valiosa quando da necessidade de repactuação do preço por conta de alterações na carga tributária.
Sobre a cláusula que estabelece a adição de todos os tributos incidentes no preço fixado no contrato, apesar de alguns entenderem ser prejudiciais à parte que precisa repactuar o preço por conta de alterações tributárias, ouso discordar, já que os impostos incidentes estavam inclusos na data da assinatura do contrato, ou seja, se temos uma alteração tributária que aumenta a carga, nada mais justo do que repactuar para que os impostos alterados sejam adicionados ao preço para que este também inclua todos os tributos na data posterior à alteração da carga tributária.
MEDIDAS A SEREM ADOTADAS PELAS EMPRESAS AFETADAS
Para contratos ou propostas em negociação e que não tiveram a formalização da assinatura ou do aceite, é importante ajustar o conteúdo, indicando a possibilidade de revisão dos valores em caso de alteração da carga tributária.
Já para os contratos assinados em datas anteriores, a melhor medida é iniciar um diálogo aberto e transparente com a parte contrária, demonstrando a impossibilidade de manutenção da relação sem o devido ajuste.
Esta negociação certamente poderá gerar desgaste entre a área comercial de quem vende e a área de compras de quem adquire os produtos, porém, trata-se de um diálogo importante e que não deve ser postergado, por conta da iminente alteração tarifária.
JUDICIALIZAÇÃO DO TEMA
Em caso de impossibilidade de acordo para os contratos já firmados, não restará alternativa a não ser a judicialização do tema, porém com questões extremamente prejudiciais a ambas as empresas (fornecedora e compradora).
Nesta hipótese, a fornecedora que buscará a medida judicial para possibilitar a revisão dos valores contratados terá alguns desafios:
a) Como sinalizamos acima, os tribunais costumam demonstrar resistência para caracterizar um aumento de impostos como base para revisão de contratos, portanto, ainda que estejamos tratando de um aumento em proporções extremamente exageradas, estaremos diante da dependência do entendimento do poder judiciário quanto à necessidade de revisão dos valores com base na teoria da imprevisão.
b) Outra questão é a consequência/desfecho de uma discussão com base na onerosidade excessiva, calcada no artigo 478 do Código Civil. De acordo com o referido artigo, a parte prejudicada pode buscar a resolução do contrato, ou seja, se seguida a norma de forma literal e o processo for finalizado com o seu julgamento, a melhor decisão que a parte onerada terá será a extinção da relação contratual, solução que pode ser tão ruim quanto o aumento do custo tributário.
Ou seja, a judicialização do tema, apesar de ser uma opção, se não for encerrada com um acordo entre fornecedor e comprador, todos podem acabar perdendo, seja o comprador por amargar a interrupção do fornecimento, seja o fornecedor com o encerramento da relação contratual.
Novamente, vemos aqui que o melhor caminho é a composição, ainda que na esfera judicial.
CLÁUSULAS CLARAS DE ALOCAÇÃO DOS RISCOS SÃO NECESSÁRIAS
Não existe conclusão diferente da necessidade de inclusão de cláusulas claras para alocar o risco e custo decorrente de alterações abruptas no ambiente tributário, como a que estamos amargando, por conta da instabilidade política que afeta a relação do Brasil com os Estados Unidos, assim como as alterações que estão por vir em decorrência da reforma tributária.
Este é o momento de os departamentos jurídicos revisitarem as minutas adotadas como padrão de seus contratos, em especial as minutas com clientes, para ajustar (ou mesmo incluir) a cláusula de repactuação de valores em caso de alteração da carga tributária ou outros fatores imprevisíveis.
Para clientes que impõem a sua minuta padrão, a atenção com as cláusulas de equilíbrio econômico, seja a sua adição ou o ajuste das que eventualmente existam, deve ser procedimento padrão do departamento jurídico de forma a garantir a possibilidade de repactuação (ainda que mediante negociação) dos valores estabelecidos.
Autores:
Fernando Guido Okumura
Vinicius Boson Silva Almeida
contato@okumurasa.com.br