07/2023 * CONTRATOS EMPRESARIAIS
Apesar de já terem se tornado relativamente comuns nos departamentos jurídicos, principalmente de empresas do setor industrial, os contratos de compra de energia elétrica comercializada no mercado livre de energia, em muitos casos, ainda são tratados como documentos inalteráveis.
O estereótipo de documentos inalteráveis, com raras exceções, decorre da imposição das Comercializadoras de energia elétrica que, alegando se tratar de uma operação regulada, inicialmente recusam-se a realizar alterações nas minutas.
Esta situação acaba fazendo com que os contratos não sejam adequadamente discutidos e negociados, adotando-se a falsa premissa de que todo o documento é baseado nas normativas da CCEE e da ANEEL. Como consequência, são atribuídas obrigações críticas nos contratos, gerando fragilidades e riscos para a Compradora em contratos desta natureza que, geralmente, possuem longos prazos de vigência.
Porém, por mais que algumas condições realmente sejam reguladas pela CCEE e pela ANEEL, estes contratos devem ser analisados com tanto rigor e detalhismo como os demais, contando sempre com o suporte da área técnica/comercial e da empresa de consultoria que realiza a gestão da energia elétrica da Compradora (vamos chamar de Gerenciadora).
Com frequência, notamos nas minutas enviadas por Comercializadoras a nossos clientes condições críticas como:
a) Imposição de prazo para que o contrato e aditamentos sejam assinados, impondo à Compradora penalidades decorrente da não assinatura.
b) Obrigação de assinar aditamentos com base em alterações que serão realizadas a critério da Comercializadora de energia.
c) Obrigação da Compradora realizar a substituição da garantia em caso de suspeita de insolvência da instituição financeira que tenha emitido fiança bancária para garantir a operação, independentemente de notificação da Comercializadora.
d) Completa e total isenção de responsabilidade da Comercializadora.
e) Imposição de pagamento pela energia elétrica, inclusive se não consumida.
f) Arcabouço que afasta qualquer possibilidade de configuração de caso fortuito ou de força maior;
Algumas condições são padrão para diversas Comercializadoras, como, por exemplo:
a) O afastamento da condição de caso fortuito ou de força maior de qualquer fato que impossibilite o consumo da energia elétrica objeto do contrato. Ou seja, caso uma tempestade tenha como consequência a desconexão da Compradora do sistema de distribuição de energia elétrica, impedindo que a energia seja consumida, ainda assim a Compradora deverá pagar o consumo e demanda contratada;
b) Cálculo das multas decorrentes de rescisão do contrato;
c) Necessidade de comunicar a ocorrência de caso fortuito ou de força maior em prazos extremamente curtos em relação à ocorrência do fato;
d) Obrigação de fornecimento de garantias com uma série de requisitos e curtos prazos para renovação destas garantias (alguns incompatíveis com os prazos praticados pelas instituições financeiras).
Porém, ainda que as Comercializadoras se mantenham irredutíveis em relação a diversas cláusulas, cabe a nós do departamento jurídico, já na primeira análise solicitar a devida correção para que o contrato seja equilibrado.
Caso a Comercializadora se recuse a efetuar os necessários ajustes, cabe-nos esclarecer às áreas envolvidas os riscos e consequências das condições não alteradas, desta forma, a Compradora poderá avaliar os riscos e decidir por seguir ou não com o contrato.
Outra questão envolvendo estes contratos e que estão se tornando comum, são as operações em que a empresa Gerenciadora é do mesmo grupo econômico que a empresa Comercializadora.
Não é raro sermos solicitados a analisar contratos de compra de energia nos quais a empresa Gerenciadora é do mesmo grupo econômico da Comercializadora. Em casos com estes é importante lembrar que à Gerenciadora é atribuído, dentre outras atividades: (i) prover toda a consultoria quanto à gestão de energia elétrica da Compradora, (ii) recomendar compra de energia para suprir da unidade produtiva, (iii) recomendar a venda de energia excedente, (iv) representar a Compradora perante a CCEE e, inclusive, (v) cumprir obrigações da Compradora previstas no contrato da Comercializadora.
É também cada vez mais comum empresas Gerenciadoras indicarem a compra de energia de empresas pertencentes ao seu grupo econômico.
Estas situações geram preocupação e demandam mais cuidados na análise do contrato de compra de energia, pois em muitos casos, diversas das obrigações que a Comercializadora atribui à Compradora correspondem exatamente às ações e medidas que a Gerenciadora deve adotar, algumas obrigações cujo inadimplemento pode resultar, inclusive, na denúncia motivada do contrato pela Comercializadora, por culpa da Compradora, com a aplicação das multas e penalidades à Compradora.
Relacionado a este tema (Gerenciadora e Comercializadora pertencentes ao mesmo grupo econômico) algumas situações que vivenciamos chamaram a atenção:
a) Pandemia: Quando do isolamento social a Gerenciadora em 100% dos casos que tivemos conhecimento foi a responsável pelas negociações e tratativas em nome da Compradora junto às Comercializadoras com o objetivo de reduzir a demanda contratada. Como ela (Gerenciadora) se comportará quando a negociação for com uma Comercializadora do seu grupo econômico?
b) Obrigações de comunicação sobre consumo da Compradora. Alguns contratos preveem penalização quando a Compradora não indica, indica volume consumido incorreto ou fora do prazo. Como ficaria a aplicação desta multa quando a Gerenciadora é empresa do mesmo grupo econômico da Comercializadora? Preocupa-nos mais os caso em que a Gerenciadora é quem tem acesso a tais informações e não a Compradora.
c) Para empresas entrantes no mercado livre de energia, a Gerenciadora (em muitos casos) é a responsável por todo o processo de migração do mercado cativo para o livre, porém, a Comercializadora exige que eventual atraso seja comunicado pela Compradora com antecedência, sob pena de aplicação de multa ou mesmo início da cobrança da energia contratada (que não poderá ser consumida). Como ficaria esta questão quando a Gerenciadora é empresa do mesmo grupo econômico da Comercializadora?
d) Como mencionado no início é importante contar com o suporte da Gerenciadora para a análise dos contratos de Compra, em especial em relação às condições técnicas. Neste caso, não teríamos um conflito de interessa na medida em que a Gerenciadora irá auxiliar a Compradora na negociação do contrato da Comercializadora?
Como todos os demais contratos, os de compra de energia elétrica, ainda que estereotipados como contratos não sujeitos a ajustes, devem ser analisados com rigor pelo departamento jurídico da Compradora, sendo, inclusive, transmitida a recomendação às áreas responsáveis pela negociação que sejam preferidas as Comercializadoras que não sejam do mesmo grupo econômico da empresa Gerenciadora de energia.
O time da área contratual do Okumura Sociedade de Advogados apoia diversos departamentos jurídicos em demandas desta natureza e poderá esclarecer questões relacionadas aos contratos de compra de energia elétrica no mercado livre.
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